Anna Magalhães
Não querem que a mulher preta pense
Não querem que a mulher preta pense
Não querem que a mulher preta pense
Pense
Pense
Pense
Pense bem o que cê pensa da gente
A nossa ascensão intelectual te intimida?
Mulher preta que pensa é neguinha metida?
Por que transforma meu senso crítico em histeria?
Quem tem medo das pretas feministas?
Você me acha radical?
Normal é que eu fosse escrava do capital?
Servindo aos senhores
Nas senzalas
No escuro das valas
Na margem da pirâmide social?
Ser rainha não é esfregar a barriga na pia do patrão
Isso é herança da escravidão
Honro sim aquelas que me criaram à beira de um tanque
E o que elas esperam é que eu me levante
Que eu não me cale
Que eu não me adapte ao que o sistema me oferece
Meu conhecimento é minha resistência
Minha poesia é minha prece
Axé! Punhos cerrados e cabeça em pé
Eu estarei sim em todos os lugares em que sei que não sou bem-vinda
Nos livros, nas artes e na academia
Onde não existem mulheres
Mulheres pretas menos ainda
A nossa luta agora é contra o machismo e racismo de todos os dias
Nós nos aquilombamos novamente
E é dentro de nossas mentes que está nossa alforria
Bicho de Mato
O Verbo
Existir
Assim me fiz conjugar
Eu (re)existo
Cheguei a pensar que fosse loucura
Dessas que o pastor diz que cura
Desde então relutei carregar este fardo até a sepultura
Não! Na contramão do mundo decidi enfrentar.
Meus desejos, amores e paixões
Não mais ocultar
Pra que?
Eu me questionava assim?
O que eu faço entre quatro paredes não cabe somente a mim.
Transitar em outros universos
Meu corpo não limita sentimento
Bobeira sua dar valor ao que se tem por fora
Enquanto o que é rico a gente carrega por dentro
Empatia é o que falta
Esse ego que todo mundo exala
De nada vale
Sexualidade todo mundo julga
E nesse balança da vida ninguém pesa o caráter
E por vezes esse tempero da vida
Eu só provei o sal
Garrafada era aperitivo com raízes feitas pro mal
Mas, não me faz mal
Afinal o que não me matou
Me fortaleceu
Eu me reinventei encontrei meu caminho no tato.
Até quando eu caminhei no breu.
Olhe
Dilata a pupila
Corpo arrepia
Pela iris
Contamina
O meu pensar
Pura neblina
Que invade
Nem avisa
Brisa
Eu te toco
Te como
Só de olhar
Desejo é fogo
Incendeia o corpo
Vamos jogar esse jogo
Pra nós dois ganhar
Vem sem malícia
Sem roupa
Sem fantasia
Que a olho nu
É melhor de se amar
Incrivelmente
Bela
Cores e aquarelas
Reverenciam teu poder
Moça
Dourada
O teu olhar é mata
Onde quero me perder
Onde quero me perder
Carlos de Assumpção
Falso palhaço
Você aí falso palhaço
Que me joga banana no estádio
Uma só é muito pouco
Pois me jogue logo um cacho
Banana é fruta muito rica
Banana é fruta divina
Contém potássio e vitamina
Banana é saúde é força
Todo bom médico indica
Só não gosta quem é trouxa
Eu já disse
Eu já disse e aqui repito
Descendo do herói Zumbi
De Chico Rei de Luís Gama
Sou ativista social
Neste país desigual
Eu clamo por igualdade
Enfrento qualquer parada
Não me assusta tempestade
Tempo quente ventania
Eu sou Carlos de Assumpção
Mas meu nome é Rebeldia
Vim da África
Vim da África
Fui trazido pra cá a força
Pra trabalhar
Construí o País
Quase sozinho
Hoje esquecido
Na marginalidade
Em periferias e favelas
De todas as cidades
Luto sem tréguas
Pela minha liberdade
Sou guerreiro
Sou filho de Ogum
Só vou parar de luta
Contra tanta injustiça
Quando o sol brilhar
Franca 2020
Claudia Prestes
Ser Negra
Sou negra!
Negra do tempero!
Do calor aconchegante!
Da doçura!
Da quentura!
Sou feita do tempero
Da salmoura nas fendas abertas em minhas costas
Sou do aconchego
Do calor do sangue das irmãs e irmãos inundando meu corpo
Sou a própria doçura do mel
O mesmo mel que me banhou pra decorar um cume do formigueiro
Sou a quentura da febre que enfim me permite uma viagem prazerosa
Sou olhos que assistem aos castigos de quem, como eu, veio do lado de lá
Sou lágrimas que irrigam a plantação que não vai me alimentar
Sou colo vazio sem a criança que a doença e a fome vieram buscar
Sou peito que jorra o leite que era pra criança que eu não pude criar
E hoje alimenta o menino recém nascido da sinhá
A boquinha que se alimenta de mim, mas que amanhã vai dar a ordem pra surrar!
Sou ferro
Absorvido
Ferro quente que marcou a minha carne
Ferro que faz dele o meu pescoço
Ferro gelado que meu tornozelo prendia
Sou a bala de ferro ligeira que me atravessou antes de eu ser jogada naquela água fria
Sou lavagem, sou angu podre, sou o vômito que me alimentou na travessia
Sou a agonia daquelas que adoeceram e deixaram de compensar
Acorrentadas umas às outras e a uma pedra pra mergulhar
Sou a angústia que vem de longe e me invade sempre que chego perto do mar
Sou quem precisa do sol pra disfarçar a parte vergonhosa da minha ascendência
Não escolhi de quem vir, mas escolho ter consciência
Minha vida é de luta, por todas as que me precederam, eu ofereço resistência
Minha oração abala
Meu berimbau não cala
Meu tambor não para
Minha ferida não sara
Sou negra!
Negra do tempero!
Do calor aconchegante!
Da doçura!
Da quentura!
Da alma liberta e da carne dura!
Crikinha
Meu poema de vida
Nascida na periferia.
- minha casa não tinha porta, e para comer pouco tinha.
Mas a gente se abastecia, do amor e a fé que nutria.
Entre todos os meus medos, o maior era de ir a escola, chorava e sofria, mas
o que ninguém entendia é que dentro da escola, eu passava os piores dias.
Me chamavam de cabelo duro, por conta do black que eu tinha, gargalhavam da minha cara e me diziam que me pegaria na saída.
Um dia, de tanto ter medo, desisti de ir pra lá. Eu não compreendia que o futuro dependia de lutar.
Lutei com muito apoio daquela que me gerou, mulher forte e destemida
Seus valores em mim deixou.
A vida prega muitas peças, aprendi bem menininha a lutar por minhas bonecas.
No lugar aonde vivi, passamos por muitos sustos, tiroteios, balas perdidas
Era um luto em cada canto.
Passamos por muitas dificuldades, mas nunca deixamos de sorrir.
Aprendemos com as dores, o momento de resistir.
Fui mãe na adolescente, quando da escola eu saia,
Nos meus braços carreguei o primogênito que me ensinou mais como filho, do que a professora Mirtes nos meus dias de euforia.
O meu grande e primeiro amor se foi jovem, foi a dor mais profunda que um coração demostraria.
Mas ele me deixou com todas as memorias ativas, do nosso grande e verdadeiro amor.
Vou contar um pouquinho da Historia da dona Hildinha.
Ela acreditava em seus sonhos, sua mãe ria e dizia.
A vida era sofrida e quando os seus filhos sentiam uma dor de barriga,
Lá vinha ela, a sua mãozinha com os chás e panos quentes, para sarar da agonia.
Com a sua mesa vazia, A dona Hilda guerreira vivia na sua correria.
Ela que fora deixada pelo o homem da família, deixa a seus filhos bem cedo e com muita honestidade labutava noite e dia.
Tudo que essa rainha queria era dar aos seus filhos, todo o conforto que poderia.
A gente aprendia com a rainha: a dor se cura com canto e muita fé lá em cima.
Salve Hilda rainha, foi mãe, foi avó e amiga.
Viveu com muita dignidade.
Ela tinha muito orgulho do seu nordeste e a cultura que lhe conduzia.
Um legado lindo deixou.
Brilha muito ai no céu, nossa amada estrela guia.
Darok Viana
Preconceito Padrão
Ia caminhando tranquilo, estava só eu na calçada
Parada na próxima esquina a viatura de luzes apagadas
Pensei comigo “de boa, eu é que não devo nada”,
Mas sabia que, por algum motivo, quem estava lá dentro me olhava
Continuei caminhando e ela não se movia,
Apenas mais alguns passos e outra figura surgia:
Era mais um neguinho, que caminhava tranquilo no mesmo rumo que eu ia
A viatura se moveu só para me dar a certeza
De que eles iriam passar devagar
E roncar o motor para ver se eu teria firmeza
Vendo que em mim nada mudou e que eu seguia na reta,
Aceleraram para alcançar o neguinho que olhou para trás
E a abordagem começa
Parada rápida, força bruta,
Pouca resposta no susto para quem fazia muita pergunta
Passei do lado, e eles seguiram vidrados,
Acusando, empurrando e o neguinho assustado.
Eu parei mais à frente para observar a sequência
Já sabendo que é bem fina a parede entre desconfiança e violência
E que quando o preconceito é o procedimento padrão, tanto faz se você tem culpa ou não,
Pode esquecer o direito à presunção de inocência.
Não importa se é interior ou capital,
Se for Rio Preto ou São Paulo vai ser igual,
Encontram pretos no faro,
Vão chamar agressão de despreparo,
E dessa vez só não foi comigo porque a diferença entre eu e o neguinho era minha camisa social
Dill Santos
Identidade Negra
Na crise de minha identidade,
Não enxergava a beleza que meus traços traziam,
Sentada frente ao espelho, meus pensamentos reluziam..
Olhava com dó a cor da minha pele, meus lábios grossos,
Meu cabelo crespo e carapinha...
Carregando em meu peito uma ferida que corroía.
Eu poderia ser mais uma..
Me olhar com desdém, por ser pobre, favelada, mulher negra e de periferia,
Não enxergando a verdade que o olhar crítico imposto pela sociedade escondia
Hoje eu me satisfaço com você, para você e por você!
Você é minha liberdade,
Minha honra,
Minha força,
Minha raça,
Meu estilo,
Minha cor,
Minha história,
Minha essência,
Minha luta e resistência
E que talvez não saiba, mas me ensinou a ser quem sou!
Prazer, eu sou Dill Santos, Mulher Negra!
DJ Preto EL
Sem maldade ó senhor
Dobro a esquina e tá lá
Dois molequinho a me esperar
Pacotinho de bala na mão
“Olha aí tio, dois por um!”
Cansou de ouvir hoje não
A sociedade implantou a divisão
Cabecinhas limitadas pra eles é bom
Não pensam na escola, nem tentam parar pra brincar,
O esquema é uns troquinhos pra não apanhar
Inteligência de sobra
Que pode ser usada a qualquer hora
Pro bem! Vai descobrir que pode ir além
Caso contrário, você dizendo “amém”
“Ó por favor, ó por favor não faça isso não!”
Mistura do Q.I. com a revolta de um irmão
Tudo bem o sistema é bondoso e protetor
Pensa em mim e no infrator
“É pro seu bem estar. Ha! Ha! Ha!”
Uff! A justiça tá feita.
Guarda o animal prá que ele aprenda
“Aí! Que se foda o seu passado
Não quero saber da sua mãe distante do seu pai drogado
Não quero saber se a sua escola é um lixo
Que é treta todo dia, isso quando não sai tiro
Não quero saber do preconceito! Ó! Por favor
Isso não existe, né estereótipo do terror?
Não quero saber se a rua foi sua escola
Analfabeto porque preferiu a bola!”
Uff! A justiça tá feita
Encontrou na cadeia a solução dos problemas
Mas a balança da justiça é falha
“Ela trará a ordem e a paz para todos”
Você acha? Abraça!
Absolve os rico e massacra a massa
A balança da justiça é falha
“Ela trará a ordem e a paz para todos”
Você acha? Abraça!
Quem te condena e quem te mata
Ces tão comendo bola, sem maldade ó senhor
Porque o assunto em questão não atinge filho de doutor
Os quais programam os mísseis conhecidos como leis
E quem compõe a minoria - hummm - era uma vez
Vem, mas não arredo o pé se esse é o objetivo
Morro, mas olhando no olho do inimigo
Sem maldade, ó senhor!
Sem maldade, ó senhor!
Iberê
Famílias Negras Importam
A Família é uma instituição de poder para qualquer povo e não é desproposital a importância que o Cristianismo dá à essa instituição. Ela alimenta a reprodução de certos valores intergeracionais e traduz seus valores em práticas cotidianas em todas as esferas sociais. “Família” não é sinônimo de família tradicional ou patriarcal, ela é antes de tudo uma unidade que produz e reproduz um poder coletivo maior. Por isso, a Escravidão rompeu com essa unidade, negou as possibilidades de sua existência e, através do racismo e das desigualdades, perpetuou violências tanto externas quanto internas às famílias negras.
Para usurpar as riquezas africanas e manter essa dominação da população afrodescendentes nas Américas, as famílias precisavam ser corrompidas e desestruturadas. É sempre bom lembrar que a África e Pindorama (como os nativos chamavam o território brasileiro) foram subdesenvolvidos pelo ímpeto colonial europeu, que é a mesma natureza do espírito bandeirante. Aquele que pratica o genocídio em nome do progresso (dos seus).
Assim, esse texto tem o objetivo de acenar para uma questão que se mantém nas famílias negras (ou também não-brancas), que é a questão da indiferença, superficialidade e frieza nas relações intrafamiliares. A dificuldade em demonstrar carinho e afeto pelos nossos irmãos, filhos e pais é um problema histórico, com raízes nos traumas causados pela escravidão. Nesse processo, internalizamos o sentimento que não somos dignos de receber amor.
A feminista negra Bell Hooks trouxe essa reflexão de maneira muito sensível e precisa no texto “Vivendo de Amor”1. Neste texto ela destaca o nosso desaprendizado na arte de amar perpetrado pela supremacia branca.
“Num contexto onde os negros nunca podiam prever quanto tempo estariam juntos, que forma o amor tomaria?
Praticar o amor nesse contexto poderia tornar uma pessoa vulnerável a um sofrimento insuportável.”
A história da colonização parece tão distante de nós, mas do ponto de vista histórico, ela foi ontem e seus traumas nunca foram seriamente avaliados. Para termos uma ideia, temos algo em torno de quatro gerações da população que nasceram pós-abolição. Enquanto, temos por volta de 20 gerações que experenciaram a escravidão. Até aqui, os esforços para curarem as feridas abertas pela institucionalização da violência, tortura, exploração, brutalidade e desumanização de corpos negros e indígenas foram insuficientes, e não é por acaso. A violência recebida no passado e no presente torna-se um ciclo, do qual a família acaba sendo um espaço para expressar essa dor latente.
Além disso, todo esse histórico produziu uma desigualdade social com base na marca racial, o que chamamos de racismo estrutural. A exclusão e privação do acesso a bens e serviços é também um tipo de violência, que produz adoecimento das famílias negras. Hooks tenta nos mostrar o quanto esse comportamento se perpetuou nas nossas famílias pós-abolição, principalmente porque a repressão e a violência nunca cessaram. Assim, mesmo quando as famílias negras lograram ascender socialmente, o enriquecimento material muitas vezes não foi acompanhada de um acompanhamento sentimental e afetivo. Ressaltando que o amor é mais raro na realidade das mulheres negras, que experenciam menos ainda esse sentimento.
A série “Insecure” da HBO, produzida, escrita e protagonizada pela norte-americana Issa Era, mostra a complexidade de ser negro e de construir relações saudáveis no mundo atual. Com protagonismo feminino, a série é quase uma terapia coletiva, através da representação de dramas íntimos que fazem também muito sentido para a realidade brasileira. A série coloca a “insegurança” como plano de fundo na construção da trama e dos personagens, até os personagens mais bem-sucedidos. Mostrando como o racismo tem podado nossas potencialidades e expectativas, assim como tem intoxicado as relações de amizade, amorosas e familiares.
Um exemplo brasileiro desta preocupação com o espaço do amor na vida das pessoas negras, é o caso do maior intelectual vivo brasileiro, o rapper Mano Brown. Em sua guinada rumo ao amor, o vocalista do Racionais MC`s, que elevou a expressão coletiva da periferia e da negritude à um nível nunca visto, considera que já concluiu seu trabalho em representar a violência cotidiana vivida na periferia. Para Brown, sua missão agora é trazer o amor, pois é disso que estamos carentes. O disco “Boogie Naipe” de 2016, com sua pegada baile black e com faixas em ritmos cadenciados, vai muito bem em seu objetivo.
A convergência entre esses exemplos e a proposta desse texto é a busca do amor como forma de cura. Nós, mulheres e homens negros, queremos um colo pra chorar, um dengo pra fazer um cafuné e uma boa música pra dança. Sorrir por dentro, agradecer o que há de vida em nós, mesmo em tempos difíceis. Brindar aos nossos ancestrais com alegria, retribuindo com amor às suas esperanças de tempos em que essa palavra parecia não existir.
Caminhar para que nossas famílias sejam espaços de re-existência, espaços em que nossos laços de amor se expressem em palavras, toques, gestos, atitudes e risos. Onde a violência doméstica e o machismo não seja regra. Onde homens possam expressar seus sentimentos. Onde nossos lares possam ser nossos templos de fortalecimento. Onde o culto às religiões de matriz africana sejam respeitadas. Onde as diferenças de sexualidade não sejam reprimidas por uma falsa “naturalidade” heterossexual.
É necessário dar um passo à frente, devemos ser ativos na construção de um novo projeto de humanidade, em que nossas famílias se curem e se protejam das chagas do racismo, da escravidão e da mentalidade colonial. É tempo de perder o medo do amor, é tempo de amar a negritude. Pelas palavras de Bell Hooks:
Quando conhecemos o amor, quando amamos, é possível enxergar o passado com outros olhos;
é possível transformar o presente e sonhar o futuro. Esse é o poder do amor. O amor cura.
Ivan Reis
Poesia indistinta
Escrevo pelo meu povo
Que ainda pega o trem da Leopoldina
Que pega o trem do Grajaú
e continua tendo fome...
Escrevo pela minha história
Pelo meu avo que não pude conhecer
Pois ficou caído em solo baiano, seu sangue jorrou e germinou a terra que se faz firme hoje em meu caminhar...
Eu escrevo com sangue um pouco de nosso dia a dia, do cotidiano negro, das milhares de mortes de jovens negros: um a cada dezesseis minutos, Um a cada dezesseis minutos...
Escrevo para não enlouquecer neste país Pau-Brasil extinto, onde as mulheres negras choram lágrimas de sangue e ninguém se importa.
Escrevo para não gritar na cara de nossas autoridades, esbravejar sobre as condições de nosso povo negro e pobre.
Escrevo para me redimir do meu pecado de nascer negro num país de brancos e imaculadamente puros...
Por isso escrevo sem poesia, sem o laurear dos poetas e seus castelos de ouro, suas láureas de palavras...
Escrevo esta poesia indistinta partida com um coração partido, de um homem que sonhou um dia uma nação livre e igualitária, que poderia ter a equidade como parâmetro de vida...
Ano novo no Brasil com z
O fundão do Brasil precisa de amor
As pessoas morrem mais por falta de afeto
A elite brasileira toca o terror
As pessoa ainda passam frio por falta de teto
Na “fundão” nós clamamos e tocamos tambor
Na televisão e nas redes vejo como a empatia é algo obsoleto.
As crianças ainda pedem nos faróis
As crianças ainda pedem por amor
As pessoas amarradas aos lençóis
As pessoas amarradas aos lençóis do desamor...
“O fundão” do Brasil não sofre “influência Tio Sam” e seus cawbois de aço...
O fundão do Brasil não se escreve com z.
Lá as crianças morrem de inanição, mas não batem continência para o “Capitão América”. É eu sei, eu vim de lá e muitos dos meus pares também...
Porém o que vejo pelas praças, jardins e ruas requintadas deste nosso país, é gente comemorando a morte do frágil e do pobre...
E mais uma ano recomeça no Brasil com z: 2020!
Esperamos dias fartos:
Fartos de tanta ignorâncias
Fartos de tanto racismo
Fartos da violência com o nosso povo preto.
Fartos da frieza vil das autoridades
Fartos da hipocrisia
Fartos das tantas mortes de jovens negros
Mortes do povo negro.
Fartos do cinismo vil de tantos
Fartos da incapacidade de ser viver o plural
Fartos da falta de capacidade de se ver o outro, de olhar o outro.
Fartos deste desgoverno e sua campanha genocida.
Feliz ano novo meu país e que consigamos seguir o nosso caminho na luta, mesmo no luto...
Feliz ano novo meu amado “Fundão” de Sampa e do Brasil, vamos fazer com que esse “Brasil com z”, do “sonho americano, que esse outro país entenda: identidade e dignidade não se compra, muito menos se vende e (PESSOAS NEGRAS IMPORTAM). Peço a Oxalá e a Pai Ogum guiar os caminhos dos filhos de Zâmbi.
Abraços fraternos em todos com afeto, vamos ser felizes!!!
J. P. Rodrigues
Recorte de uma vida
O ardume nos olhos precede o rolar de cada lágrima. Cada gota contada é um mar de histórias.
Andei por tantos caminhos que sequer perdoa-me os desejos confusos na memória. Cada passo é uma lembrança que se transforma em água e escorre feito rio sobre meu rosto.
Lembranças fortuitas de um passado sempre presente. O sentimento transpassa o limite do tempo e colide na realidade. O ideal impalpável, efêmero como a própria filosofia das estrelas.
O choque sempre transforma as partículas em poeira cósmica. Derrete feito gelo de mel, lento, doce e delicado. Poético até na dor, no ardor de um sentimento ilusório.
Transitório entre a verdade e a prática. Como pôde se submeter a isso de maneira tão sádica? A vida é irônica e, as vezes, sarcástica. É suspense de terror e não conto de fadas.
Confiança é artigo raro na loja de departamentos da vida. Na fila das galerias, está nas gôndolas da amizade. Acuadas num canto pequeno e discreto da sessão de relacionamentos.
Artigo raro que custa caro. Achamos vários outros improvisados. Mais baratos, quase não valem nada, até enganam na aparência. Te torturam por dentro, enquanto por fora fingem decência.
Algumas pessoas querem nos fazer de tonto, sem saber que a gente é tonto já faz muito tempo. Há tanto que já percebi, pelas vivências e experiências, me mover feito folha no vento, com harmonia de acalento seguro e um destino completo.
Fiz morada no movimento, entre as dores e amores para ter uma vida sadia. Não sei se fora bobagem ou sabedoria. Suportar o peso do mundo, que o mundo inflingiu a nós por toda uma vida.
Cada dor suportada nos torna mais fortes, mais resistentes. Cada frustração superada, traição de uma mente abalada nos torna mais resilientes, e livres.
Liberdade também é artigo raro, quase desconhecido, tipo lenda urbana ou mito, do qual muito se fala e pouco se pratica. Só é encontrada quando deixamos pela estrada pedaços do ser que vestimos, Vamos ficando mais livres quanto mais das dependências nos despimos.
Seria lindo se não fosse tão difícil, quase impossível. Deixar de ser quer é, é como morrer, sentimento terrível. Nos perdemos de nós mesmos conforme nos encontramos. O tempo passa e só fica o necessário, alicerce daquilo que é verdadeiro.
Paciência é deixar o tempo passar sem ansiedades, é deixar o universo agir por si mesmo. As coisas vêm e vão no fluxo perfeito da vida. Lei da atração, ação e reação apresenta portas de entradas e saídas.
Viver bem é questão de oportunidade. Ter sucesso é para poucos que aproveitam de verdade a felicidade que aparece e some com incrível sagacidade.
Deixar de ser o que se espera, para se tornar o que se quer. Deixar de suprir as expectativas, para vir a ser o que deseja. Esse é o grande dilema das aparências, que nos confunde com medo e anseio de perder o alimento do seio materno, chamado amor fraterno.
Amor de uns para os outros, quando é verdadeiro não cobra mudanças, não alimenta falsas esperanças e sempre se responsabiliza pelo que cativa. Esse enlace é o laço, embaraço recortado de um recorte de toda uma vida.
O homem nú
despi minha alma de toda carne
o tutano dos ossos enferrujados
pelas lágrimas do tempo
já não mais suportam o peso
de toda uma existência vazia
o homem nu é aquele que não é
deixou de ser quando o quisera
tornou-se monstro chimera
destruidor de si mesmo
caminha sem medo ou anseio
e mergulha no íntimo do seio
da onde quer chegar, da onde deseja ir
se encaixa e desencaixa, é flexível
tem que aquilo que por nada se define
por nada pode ser definido
arranquei minhas pontas em cortes cirúrgicos
dancei em cima da linha do tempo
conheci o verso, o reverso
o anverso e o multiverso
versões multifacetadas de mim mesmo
expus minhas feridas abertas
açoites de experiências marcadas da vida
a cada pedaço arrancado, uma culpa
um desejo, um medo, uma carência
que partia, mas que fazia falta
partia, pois era parte, pedaço de construção
por isso, arranquei toda minha pele
meu pelo, vísceras e nervos
e a estrutura dos ossos quebrei
até virar calcário, pó de mim mesmo
o homem nu é o que está morto
ele não existe, ao contrário
resiste contra a investidura do ser
a necessidade do que é
que amarram suas entranhas
infindáveis no espaço
fluí em meu próprio vazio
comi a sabedoria das estrelas
vomitei galáxias e planetas
matei a moral e os bons costumes
não existem leis
senão as leis próprias da natureza
tudo é fluxo e refluxo, ação e reação
não existe deus senão a ti mesmo
o homem nu morreu na carne
mas renasceu em verdade
sobraram as viúvas velhas e caquéticas
na dor da perda se debatem
em sofrimento pelo que não existe
pela fantasia e ilusão que a vida põe
ante aos nossos olhos
está mais vivo que nunca
mesmo que ninguém o veja
o homem nu se confunde com o tudo e todos
pois mergulha no nada e em ninguém
continua sua trajetória
para além do infinito
Jose Afonso Imba
In Memorian
Amor evoluto
E Deus criou
o homem
o amor e por excelência outra virtudes, a vida não teria sentido
se no amanhecer da existência
o amor tivesse evadido
musa eterna dos poetas, dos trovadores constate companhia
cantada em versos em fantasias
é tudo isso e muito mais comuns
mas o amor só se define
na maneira de amar de cada um
o amor e alegria, é turbulência
o amor é doce é amargo, e por vez trágico
não ha quem não tenha sido alvo certeiro, da seta de cupido. Oxalá o amor tivesse tantas forças, de chegasse fundi, no coração de quem tivesse influência n certo destino do mundo...
Kevim Silva
Larissa Santos
Tamires Santos
Cabelo Armado
Moça, seu cabelo está armado,
Sim,ele está armado,
Contra os padrões,
Impostos pela sociedade.
Moça,eu prefiro ele penteado,
Mas eu gosto dele assim, desarrumado.
Todos nós somos intitulados,
Como negros,brancos e pardos,
Mas no final somos todos misturados.
Há um tempo aprendi a aprender,
Deixei meus pensamentos fluírem,
Eles me levaram até você.
A todo momento intitulados/rotulados,
Gay, Branco, Preto...
Não importa,no final somos todos ligados.
Humano pensador,
Não se torna julgador.
Todos temos nosso jeito,
Temos nossas diferenças,
O que uns pensam que é elogio,
Outros levam como ofensa.
Minha Etnia,
Lhe dá agonia,
Eles me olham diferente,
Todos os dias...
Esse preconceito,Essa intolerância,
Que colocam em nosso pensamento,
Desde de nossa infância,
E limita nosso conhecimento,
Aumentando a nossa ignorância.
Humano pensador,
Não se torna julgador.
L.N.
Sou negro, minha vida...
Muitos perguntam o porquê desta vida, criticam, julgam, apontam
para os outros... Para nós.
Não compreendem o porquê “dessa escolha”, dessa atitude.
Eu vi e convivi com muitos amigos
Que se perderam nessa louca vida, muitos na emoção, precisão ou por falta de opção: opção é pra quem tem vida e referência de vida.
Hoje em dia o povo da periferia, nós negros somos e fomos muitos rejeitados, criticados e mortos. Criticados por outros olhos e esse olhar, nunca foi um olhar de irmandade, como se diz, de compaixão, de amor. Na maioria das vezes não somos visto assim, somos vistos com uma olhar de desprezo. Para nós da vergonha, por ter sido julgado sem sequer terem nos dado a chance de defesa. E esses julgam sem saber.
Mesmo sabendo que nada justifica esta vida “loka” de “corre” nem necessidade, nem nada, pois nada trará nossa vida de volta, muitos seguem.
Hoje em dia neste nosso mundo tão confuso de que a confusão faz presente e pra muitos somos um problema social... Os jovens de cor negra ou aparência negra pagam com a vida, isso sim é um problema.
Quando nas ruas a caminho do trabalho ou da escola só temos humilhação e essa humilhação tem nome e prefixo.
Vivemos esmagando quem está em baixo e julgando que é diferente ou pensa diferente.
Onde está o amor?!
Onde está a compaixão?!
Vocês amam os seus status, seus bens e nem olha pra seu próprio filho em casa.
Eu sou negro e não me envergonho de ter nascido negro e ou pobre, o que me envergonha são vocês abastados que continuam a explorar os outros como os seus...
Sou negro sim, viva todos nós negros! Continuaremos a lutar...
Luis Mendes
A sutileza do não
- Vai trabalhar vagabundo, não damos carona!
Isso calou fundo no peito do Dedão. Afinal de contas só queria uma carona para o centro de São Paulo. Destino comum dos desempregados. Lá poderia ter mais sorte, a maioria das agências de emprego ficam praticamente na mesma calçada. Quem sabe poderia dar sorte em algum telemarketing? Depois almoçaria no Bom Prato, onde o almoço custa um real. A falta de grana o obrigou a pedir carona para o motorista do coletivo. Mas o Brasil não está para caronas! Aqui se paga caro até na hora de caminhar pelas ruas, se não tiver a cor certa. Dedão não tinha, é negro, com meia idade e morador da periferia onde as balas perdidas matam no ritmo do funk. Antigamente tinha um emprego bom, com vários benefícios conquistados pelas lutas sindicais. Era ferramenteiro! Só que o trabalho mudou, a abertura de mercado iniciada no governo Collor desempregou muita gente. Depois veio o neoliberalismo e o Consenso de Washington nos dois governos de Fernando Henrique Cardoso que arrasou o Brasil com as privatizações! Houve alguma recuperação nos governos de esquerda, porém muitos trabalhadores iludidos com seus bens materiais e pelas igrejas que mais parecem bancos, aderiram ao movimento golpista. Pensaram que eram ricos! O capitalismo de extrema direita somado ao sectarismo religioso ascendeu rapidamente e a diversidade foi perseguida. E essa perseguição é sutil na hora de procurar um emprego e escancarada numa abordagem policial. Também aparece na hora de pedir uma carona ao motorista do coletivo por falta de dinheiro da passagem! O capitalismo manda o seu recado pelo motorista, não damos carona. Se Não tiver dinheiro está fora! Na busca de uma vaga de emprego, o capitalismo enxerga a cor de sua pele e não há vagas! Dedão percebeu tardiamente que no capitalismo o negro é apenas tolerado, se tiver dinheiro! O trabalhador negro sem sua carteira de trabalho assinada, está a um passo da indigência. Aliás, no capitalismo a única coisa que separa o negro da rua é a carteira de trabalho assinada! Salvo raras exceções. Dedão percebeu tarde os mecanismos sutis do racismo estrutural que se consolidou na sociedade. Um racismo que afeta psicologicamente negros e negras. A noite em sua casa, Dedão bebe mais um gole de barrigudinha, cachaça barata vendida como crack nas ruas. O silêncio é interrompido com um estampido de um tiro, Dedão está morto! Mais um ori que os orixás sentirá falta na hora do xire. É mais um trabalhador em depressão que o capitalismo não precisará dizer não.
Mário Buguelo
Somos!
Não perdemos nossas raízes,
Somos povo desta terra;
Gente que sonha e quer ser feliz,
Negros da alegria e do tambor,
Que a canta a vida e sente o seu sabor!
Viemos de longe e estamos perto de chegar,
Dos direitos iguais, caminhar.
Pois, na natureza há flores e espinhos
Mas é a humanidade que transforma a cidade
Na experiência de cada pessoa a liberdade!
Somos tantos em diversos lugares,
Não é preciso dizer nada, apenas respeitar!
Na dignidade de cada ser humano,
Conhecer e respeitar o povo negro e viver em paz!
Matheus Solem
Flores Raras
Em meio ao oceano Atlântico vieram raízes, minhas raízes.
De sua terra matriarcal, foram arrancadas em diáspora forçada.
Surge Obaluaê, regendo a terra, dando vida e abundância em meio a dororidade e morte que os cercava, protegendo assim os seus de toda esta emboscada.
Em in natura raízes se fortaleceram, em meio ao sofrimento e guerreio, pelo anseio de sentir o vento da liberdade tocar em seu peito.
Lutaram e lutamos , depositando a fé em um futuro que acreditamos, em belas semeaduras que cultivamos em raras flores assim desabrochando.
Mayara Ísis
Cadência
quando Exu me convida falar
eu não dispenso sua dança
Exu faz da minha língua seu caminhar
desde os meus tempos de criança
em cada palavra minha
a essência de Exu
me faz menos sozinha
com sua língua afiada
e confiança
sustento
não só do Orixá
se faz lembrança
o Mirim que adulta
eu fui reencontrar
fez também parte
na minha infância
quando poemo
Exu recolhe minha verdade,
alafia e me apadrinha
eu planto poesia
e minha semente se aninha
Exu faz da mensagem seu reinado
e melhor balança
a palavra é meu búzio de ouro
no mercado da verdade e vingança
quem desconhece Elebo
vê contrato só no macho da galinha
mas é na força da palavra
que a minha vontade
com a vontade de Exu se alinha
Genérico
eu te vejo, eu te olho, eu te sinto,
eu te faço emergir
eu me infiltro
contrária aos danos
meu sexo e meu afeto
minha água é alimento
eu alimento, e também apodreço
decomponho seus enganos
deterioro suas máscaras
eu te vejo, te olho, te sinto,
te faço alumiar
eu alastro em ti
contrária aos vícios
de meu sexo e de meu afeto
meu fogo é alimento
faz arder, te acalenta e incendeia
queima tua marra
inflama teus medos
esfumaça teus planos
faz derreter teu coração
eu te vejo, eu te olho, eu te elevo
eu me infiltro
eu alastro em ti
contrário à partilha
você foge, mas não consegue partir
Miriam Oliveira
Levanto-me!
Levanto-me a um canto a pensar
Será que é preciso todo dia provar...
Provar que não sou menos por ser mulher
Por ser pobre, preta...
Essa coisa de lutar cansa a gente
Mas cansa muito mais não poder ser gente...
Quero ver as manas, os manos, todos juntos
“Trampando”, estudando, vadiando... será?
O lance é ser livre, é ser verdade
Seja marginal ou magistrada...
Caminhando lado a lado,
Buscando o que é, como se é...
Ser o detalhe e o enquadro
Fé na ancestralidade, esse é nosso legado!
Fio!
Costa na encosta para ver com quem topa
Toque na pele e sinta a força
Esse fio não tá desencapado
Mas choca!
Somos capazes de transcender a história
Além de quem olha
Pega tua reza e vamos embora
Não abaixe a cabeça pela mentira contada na escola
Minha, tua, nossa gente é guerreira!
Deuses, orixás, a mãe natureza...
Becos, vielas
Rua e até as estrelas
Sabem o poder dessas mãos negras!
Nega Bá
Para Murilo
Tinha sido um daqueles dias difíceis, saiu de casa cedinho e mal conseguia sentir as pontas dos dedos por conta do frio, costumava fazer baforadas para ver o desenho do vapor no ar, sempre pensava, se eu chegar cedo pego um bom lugar. Água, detergente, esfregão.
Havia sempre muita docilidade e subserviência no tom de sua voz “Deus lhe pague, doutor”, “Brigado, minha senhora” a agilidade ajudava a espantar o frio, sendo hoje sábado, um dia de movimento, sua melhor memória era poder dormir a tarde inteira, ter carne na janta e voltar a dormir.
Assim que fez o dinheiro do dia, seguiu as andanças de sábado, a pé deixava a compra do dia quase com uma folguinha. Leite, carne e bolacha recheada.
Chegando em casa, deixou as compras sobre a mesa, tirou o chinelo que se mantinha firme com a ajuda de um prego e dormiu.
Algum tempo depois sentiu o calor de um corpo se aproximando e um barulho de embalagem, tomara que seja doce, pensou.
Um toque suave na bochecha. Feliz 11 anos, filho.
E depois do bife, seu bombom.
Neguim Suspeito
Lágrimas salgadas
Lágrimas salgadas que caem salgando o sangue que escorre ,coroa de rosas para os que morrem... descendentes do continente mãe antes navios Negreiros hoje embarcações
A riqueza faz brilhar os olhos e ofuscar os corações .
Raios trovões!!! Admirados e esperados nos sertões, a água que mata a sede causa pânico em grandes proporções!!
Esquentando invernos esfriando verões uma salva de palmas ao homem e sua invenções flores envasadas culturas empacotadas disfarçando o mal cheiro das imperfeições...
Diz que é chique o marfim mas o que vejo e escuto remete ao fim,
Um grito de socorro numa multidão de surdos.
O veneno é amargo dissolvido e dosado o conformismo pouco a pouco doutrinado depoimento poético de um ser invisível a todo tempo tentado entre a desilusão e objetivo a ser conquistado os fatos são vividos absolvidos e relatados
Osvaldo
A pena venceu
“Mas devemos defender-nos de toda
palavra, toda linguagem que nos desfigure
o mundo, que nos separe das criaturas
humanas, que nos afaste das raízes da vida.”
Érico Veríssimo
Brigando com a pena, notei que, às vezes, se sabe onde chegar. Muitos caminhos para percorrer e distintas jornadas.
Brigando com a pena, notei que mirando em uma única vesícula do Minotauro e errando ainda se atinge o alvo.
Brigando com a pena, notei que várias partes do monstro são apetecíveis. Não apenas uma.
Brigando com a pena, notei que o desejado ponto de chegada depende de uma clara visão e um límpido quadro mental. Como uma cortina abrindo-se indefinidamente, a projeção e visualização do sucesso da chegada retira qualquer dúvida do querer.
Brigando com a pena, notei que o ponto de chegada muda quando dele se aproxima e, ótimo que assim seja, o movimento se perpetua.
Brigando com a pena, notei que o sucesso não dura eternamente. Os avanços ocorrem e passam. Não sem antes serem celebrados. Durante pouco tempo.
Brigando com a pena, notei que o fracasso não é letal. Os retrocessos são parte da equação, e passam. Não sem antes serem avaliados. Durante pouco tempo.
Brigando com a pena, notei que a mancha da dúvida é leve, e deixada com seu peso relativo, a sutil brisa a limpa da superfície de qualquer tecido no qual se assentar.
Brigando com a pena, notei que há razões para tudo. E não se pode controlar cada evento, mas nossa resposta e atitude podem ser largamente controladas.
Brigando com a pena, notei que a tarefa é algo que se tem que fazer, enquanto brincar é algo que se escolhe fazer. A distinção é apenas uma ideia mais que um fato concreto, uma vez que requerem dispêndio de energia mental e física. E, para execução perfeita, requerem paixão.
Brigando com a pena, notei que vencer, avançar, progredir, conquistar, melhorar são subprodutos de trabalho intenso e continuado. De fazer nosso melhor a cada dia, a cada semana, a cada mês, a cada ano. A repetição e o tédio inexistem para quem deseja evoluir. Cada segundo é único.
Brigando com a pena, notei que não há uma passarela suave para excelência. É dura e longa a caminhada para perfeição. Exige feroz preparação. Inexistem os atalhos. O resultado é construído sobre a fundação de prática e preparação. Preparar-se além do necessário é a senha. No trajeto, ajude mais alguém a fazer o mesmo.
Brigando com a pena, notei que o estímulo vem do interior com maior intensidade que do exterior. Mediocridade não deve se tornar um hábito. Desleixo afastado, sola de sapato na estrada.
Brigando com a pena, notei que diferenciar o que será do que é impõe um ritmo de leveza à jornada.
Brigando com a pena, notei que planejar o alcance de algo estabelece a plataforma. Sem deixar se encantar mais com a bola do que com o gol. A plataforma sólida oferece o mecanismo para focar os esforços na visão de onde se quer chegar.
Brigando com a pena, notei que a pena cobra seu preço quando identifica o piloto automático. Não é como escovar os dentes quando não se pensa o que as mãos devem fazer. Simplesmente fazem.
Brigando com a pena, notei, talvez já tivesse notado, que nada permanece inalterado. O alvo está em permanente movimento e sem padrão definido. A prontidão para mudar estratégias e planos significa muito. A vital qualidade de ser flexível. O poder da flexibilidade. Abandonando o passado e aquilo que já deu certo com suficiente confiança. Sem o pavor da falha ou parecer estúpido.
Brigando com a pena, notei que neste pergaminho de emoções e neste caleidoscópio sideral, o foco é da natureza humana. Multiprocessamento não é para não máquinas. Uma coisa a seu tempo e cada coisa a seu tempo.
Brigando com a pena, notei que a ocupação com as lides triviais e corriqueiras trazem o esquecimento do que realmente importa e do que é esperado por quem nos rodeia. Nossos valores, nossas atitudes e nossas percepções. No longo prazo, não se trata das nossas habilidades, sabedoria ou experiência causando grandes impactos. Nós somos a mensagem principal. O meio e a mensagem.
Brigando com a pena, notei que o ego desaparece do caminho quando a suavidade, a gentileza e a vulnerabilidade imperam.
Brigando com a pena, notei que o senso de humor ajuda a manutenção das coisas na perspectiva correta. Que o humor permite aceitar a crítica sem ser consumido por ela. A crítica não configura uma situação de vida e morte.
Brigando com a pena, notei que o bom humor pode nos tirar de situações embaraçosas e estressantes, bem como significar uma parte importante no desenvolvimento humano.
Brigando com a pena, notei uma plêiade de fatores que empurram qualquer um para fora da sua zona de conforto e para a experiência da excelência. Quem quer ser empurrado e quem deseja empurrar?
Brigando com a pena, notei que, no final, a autenticidade preenche o abismo entre a ponte do que se diz e do que se faz.
Brigando com a pena, notei um cenário de crenças. Crenças nos outros. Talvez algo feito ou dito que desencadeou um choque positivo de reconhecimento da própria capacidade realizadora.
Brigando com a pena, notei que a visão de outro a respeito da capacidade de alguém dispara uma ignição febril neste. “Se me acham capaz, realmente sou”.
Brigando com a pena, notei que para criação do início da ignição não são necessárias sofisticadas formulações ou elaborações. Ouvir, estar presente, genuinamente demonstrar interesse e comunicação efetiva são atos suficientes para elevação do patamar de alguém. Para um ponto de inflexão.
Brigando com a pena, notei que qualquer esforço se paga. Vencendo a pena ou não.
Pammella Galdino
E a mulata chegou
E a mulata chegou
E com ela também os olhares quase sempre obscenos
As mãos intrusas,
Que mesmo sem permissão insistem em passear pelo meu corpo
Esqueça consentimento
Discernimento
Amadurecimento
Quando ela chega você só conhece o julgamento
Por que mulata tem que saber sambar
Tem que rebolar gostoso
Tem que ser fogosa
A rainha lasciva que todo cara deseja na cama
Sempre na encolha
Aquele telefonema nas últimas horas da madrugada
O oficioso que nunca é oficial
Tal qual como um objeto que está sempre disponível para satisfazer
Quando a mulata chega é só isso que é possível fazer
Negando o que te torna humana
Reforçando o que te torna coisa
Sua função é servir e aguentar tudo
É boa pra trabalhar e pra trepar
É o ombro amigo e arrimo de família
A que tem todas estatísticas desfavoráveis
E sempre a obrigação de resistir e de ser aprovada
Por que não julgada?
Se nem pra mulata você serve, o que te resta então?
Pedro Mattos
Delírio
Meu delírio é você,
O que me fez conhecer o amor,
Que me fez sentir um explosão de sentimentos,
Desde frio na barriga a um eterno tormento.
As vezes a tempestade passa e o dia se abre,
Uma nova chance de ser feliz renasce,
E a oportunidade de sentir o que o amor é capaz.
Capaz de te montar e desmontar,
De fazer sorrir e chorar,
De amar e ser amado,
De se descobrir.
Sozinho em meu quarto
Aqui estou,
mais uma vez sozinho em meu quarto,
procurando um caminho para sorrir,
após você me deixar aqui.
Sozinho, eu me viro
o que você não sabe é que,
eu também sinto.
Sinto um amor, que por horas me causa dor
sentia também um calor,um sabor
mas sempre desentendia,
quando você tornava a me deixar.
Até que o calor,sabor e a dor me deixaram,
e junto com eles o amor
Agora eu me reinventei, me libertei
mas ainda estou sozinho, em meu quarto.
PedroBruxo
Cade o senhor
Cadê o senhor
onde escondido está
preciso te encontrar
tenho umas fita prá falá
aqui embaixo ta tão frio
ta faltando tanto amor
suspenderam pão e circo
o carnaval manifestou
tenho muito cego com visão
pelas ruas onde eu ando
esqueceram aqui de ti
pra acreditar no ser humano
ta tudo tão estranho ...
as crianças tão transando
ao som do funk novo
que a mãe ta ensinando
um trago de ilusão
e uma dose de verdade
um tapa na sua cara
vamos voltar a realidade
nascemos de um estupro
escravizados ao silêncio
mais o povo esquecido
ainda luta pelo mesmo
acredito na justiça
não em leis
dentro da babilônia
eu derrubo reis
quebrei os preconceitos
afastei o mal que cerca
fui além de um doutor
porque queria ser poeta
sou uma gota no oceano
um dilúvio em terra seca
quero águas mais profundas
pois o raso não sacia
tem que saber chegar
deixa a vida me inspira
prá canta um rap
e a quebrada não arrasta
Acredito na justiça
Não em leis
Dentro da babilônia
Eu derrubo Reis
Quebrei os preconceito
Afastei o mal que cerca
Fui além de um doutor
Porque eu queria ser poeta
Historia traz detalhe
A poesia um universo
Meu verso e reflexo
Da razão e o sentimento
Pensamentos
Guardei com o tempo
Passado e experiência
Referência e o momento
Menos balas e mais giz
A crise atinge meu país
Esperança de mudança
De um eterno aprendiz
E fácil ser bom
Com baixo padrão
Conteúdo não tem preço
Onde impera a ostentação
O que vai , Volta
A verdade se perdeu
Peregrino nesse mundo
No tempo que não e meu
Cade zumbi agora perdido na multidão ?
Cade o novo sabota pra salvar a canção ?
Não existe amor em SP já to sabendo
Na farda, na politica lucram com seu medo
Me internei no estúdio
Do meu surto, saiu rap
Uma gota do meu sangue
Nessa track
Plínio Camillo
Quizumba!!
O velho cão avança no pescoço.
Defende seus irmãos.
Também está atraído pelo de sangue que dela exala.
Pelo medo de ficar só.
Quizumba, qui ta fazendo?!
Ele os seguiu naquela noite.
Sua matilha: as duas meninas e o menino.
A mãe deles ia por último.
Latiu. Onde iriam?
O menino veio acarinhá-lo. São os seus.!
Portou com respeito: barriga para cima.
A mãe o repreendeu.
O temeu por tomar mais um tapa. Orelhas baixas, rabo entre as pernas. Muito mais pânico do que aceitação.
Ela somente o espantou com um leve cafuné. Carinho!?!
Ficou um pouco se coçando e foi atrás. Quer mais! Carinho!
Na noite sentia para onde iam: beira do rio.
Lá onde sempre brincava com os seus.
Gostava das meninas, mas o menino era o seu preferido. Ele era o mais cão de todos.
Do alto avistou: A mãe e as meninas estão sentadas olhando para a lua.
O menino mais ao longe brincando na água.
Desce uma pouco mais.
— Quando os orixás aqui chegaram, com a tarefa de cuidar do nosso povo, começaram a confabular o que fariam. Porém achando que as mulheres, as orixás, não sabiam de nada, deixaram de fora da conversa. Oxum ficou brava, mas muito brava mesmo! Vingando fez todas as mulheres secarem, o chão brotar mais nada, as flores murcharem vivas e que os animais tristes.
As meninas se espantam. O outro joga pedra para ver quicar.
— Sem filhos, sem beleza e sem comida, o povo começou a morrer. Os orixás homens ficaram desesperados. Das montanhas não brotava água nenhuma. O Sol nascia, mas não aquecia. A Lua ficava no céu sem brilho. As estrelas sumiram. Eles, os orixás homens, tinham medo não terem mais serventia. Quase peidando, voltam correndo para Orun e lá imploram pela ajuda de Olodumaré. Ele pensou, pensou e descobriu que tudo que acontecia era por causa da Oxun. Ordenou que todos retornassem, pedissem desculpas para Oxun e as outras orixás e, também, as chamassem para conversações. Fizeram e o mundo voltou a girar.
— Gostei da história, mãe! — disse uma menina rindo. As vezes sua voz lhe doía os ouvidos.
— Também, madrinha — disse a outra que nunca sabia se esconder bem.
— Conta outra mais bonita?
— Depois conto!
O menino estava tentando caçar um peixe.
Sentiu o cheiro do medo. Presenciou a mãe desembrulhando um facão e ela caminhou. Desferiu um forte golpe nas costas de uma das meninas.
Sentiu a dor. Uivou!
A outra se virou e levou um golpe que fez a cabeça rolar.
O gemido entrou dentro dele.
O menino, um ladino, fugiu.
Disparou para cima de uma árvore.
O velho quer salvar o seu irmão de matilha. Corre também.
A mãe vai atrás do menino
O velho chispa atrás, mas cansa, tropeça e por fim: anda meio acelerado. Meio cansado
A mãe deixou o facão longe da árvore.
— Desce daí meu filho!
— Não.
— Desce!
— Ocê vai me mata também?
— Claro que não!
— Pruque fez aquilo manhinha?
— Filho … a vida de fêmea aqui em terra, terra dos branco num é boa … é muito doída e sofrida … a gente tem os filhos … ama um homem … faz tudo pra ele ser feliz … e o desgraçado troca a gente prucausa de uma carne nova … Filho a vida das meninas num era boa. Eles vão me vender. Longe as meninas iram se perder. Mas ocê é macho. Vai ficar forte e grande. Nois pode fugi. Vai pra praum lugar bão.
— Verdade?
— É! Lá num tem escravo. Tem comida a vontade! Tem muito brinquedo e criança prucê brincar … desce daí!
— Tu não vai me corta?
— Não
O menino desceu e ele disparou. Aflição
A mãe abraçou e o levou para beira do rio.
Começou a latir. Vai não! Amargura
Carinhosamente lava o rosto do menino que se deixou afagar até que ela o afogou.
O menino debateu, uivou, tentou sair.
Morreu.
O velho da matilha sentiu vontade de chorar.
A mãe arrastou o corpo do filho para junto ao das meninas. Sentou.
O velho avança no pescoço: Quer o sangue daquela que matou a sua matilha.
Ela se deixa ser mordida. Não luta.
Ele estranha! Está cansado. Quer chorar. Quer brincar. Quer voltar.
O sangue a acorda. Ela rasteja. Pega uma pedra e joga.
Acerta o ele. Deixa tonto e com mais raiva: babam
Avança e ela e o morde.
Forte, dolorido. Morde e suga o sangue. Abocanha e murmura uma canção.
Ele se afasta como se deve: Orelhas baixas e rabo entre as pernas. Medo.
Fraco fecha os olhos.
O menino e as meninas levantam.
Sorriem e ele que ir junto.
Quizumba, vem comer!
Fecha e eles ficam longe.
Abrem e eles acariciam.
Quizumba, vem, correr!
Novo corre atrás deles.
Poeta Jó
Preta Mulher
Não abaixe a cabeça, preta.
Para que a luta não tenha sido à toa
Descendente de rainha, preta.
Então sustenta tua coroa.
E se a vida insistir em ser tão dura
Seja você a inspiração que tanto procura
Como foi a Carolina de Jesus
E no escuro deste quarto de despejo
Seja você sua própria luz.
Não espere das TVs uma representatividade
Seja você sua maior influência em atividade
Pois vocês não precisam de heroínas da ficção
Basta olhar a sua volta e verás as reais guerreiras em ação
Sempre lutando para assumir seu lugar de fala
Como tantas Zeferinas, Terezas e Ana Cláudias
Busquem a liberdade, torne-se a mulher preta que sempre quiseram ser a princesa do livro que
sempre quiseram ler.
Seja você a escritora da sua própria história
Escreva cada linha, assuma também este papel.
E não permita que no final do teu livro deem o mérito da tua luta a uma tal de Isabel.
Pois é assim que tentam apagar seu passado
Entre abusos e máscara de ferro tentando silenciar teu legado
Mas tua existência sempre foi resistência preta
E se conheces tua história sabe o peso dessa trajetória
Entre reinados, quilombos e quebradas tem a força do teu povo cravado na memória.
Das que lutaram e das que hoje se orgulha do crespo e do preto que carrega no tom da pele
E que pras preta se sentir presente não precise morrer mais nem uma Marielle.
Porque resistir nesse mundo árduo
É manter viva a esperança de que um dia nosso povo não precise carregar mais esse fardo
E que toda resistência venha gerar frutos que se possa colher
Então levanta a cabeça, preta.
E se orgulhe da mulher que tanto lutou pra ser.
Mensageiro
É por saber de onde vim que sei bem pra onde vou
Trago comigo a força do meu povo
E os versos mais afiados que o machado de Xangô
Banhado nas águas da história, nossa beleza é herança de Oxum.
Estar preparado por aqui se faz preciso, por isso meu Ori é guiado por Ogum.
Difícil é tentar ser paz em um mundo que sempre viveu em guerra
Mas aqui a ideia é passar a mensagem de uma forma simples e direta
Certeira como a precisão de Oxóssi, a gente mira e não erra.
E a ideia de acertar o alvo não é te fazer acreditar em mim, apenas te ver respeitar nossa fé.
Porque será que é tão difícil aceitar entre tantas religiões o candomblé?
Mas essa perseguição não é de hoje, por isso aprendemos a lidar com as tempestades.
E que o vento possa nos guiar pelos caminhos de Iansã
Que a cada tentativa de jogar nossa história na lama
Só faça com que possamos levantar mais forte a cada manhã
Que a gente nunca esqueça, que o contato com terra molhada é benção de Nanã.
E que nessa busca por reconstrução histórica
Possamos respirar novos ares, sem tirar os pés do terreiro.
Pois se a palavra tem poder, (Laroyê) eu sou mais um Exu entre tantos mensageiros.
Preto Brasileiro
Negro, negro, negro!
O jogo é sujo igual a boca de bueiro!
Eles querem te impedir até de sonhar!
Falam as regras do jogo mais não te ensinam a jogar
Não abaixe a sua cabeça para as dificuldades
Sorriso no rosto na arena
Assusta quem tá contra você no combate
“Negra” ... “Negra” ... “Negra”
Não se envergonhe da sua pele preta
Assume seu crespo
Ame sua origem e raiz
Valorize cada detalhe do seu corpo
Dos pés a cabeça e você será feliz
Seja King, Malcon X
Mandela, Nina Simoni, Zumbi
Dandara, Marighela, Acotireni
Somos Palmares, resistência e devoção.
Toda vez que a senzala pega em um livro
A casa grande chora frustração.
Sempre suspeito
Enquanto a burguesia chora
Reivindica seus direitos nas ruas
Eu me esquivo com agilidade “Matrix”
a mais um enquadro
Sou sempre suspeito:
Preto de camiseta larga portando mochila
Na mente as ideias sempre guardadas, protegidas
Engatilho mais um poema...
Nessa classe “pobre”
Nobreza não me representa
Políticos corruptos que afundam meu país
Não nos representam
Jamais tiraram a minha liberdade de expressão
Milicos não me representam, não me representarão
Só quem vive na comunidade sabe que a não acabou
Quando encosta a polícia parece um filme de terror
Tenho de me proteger daqueles que só proporcionam dor
Eu quero paz e pago por ser trabalhador
Temos de sonhar e não ser mais um alienado
Independentemente com sorriso vamos seguindo
Aprendendo a ser homem desde menino
Criança que cresceu em meio a trancos e barrancos
Mas nunca deixou de ir seguindo...
Profeta
Vida Desestruturada
As minhas portas
Uma narração permanente
Estética, ética
Em tempos difíceis
E os afrodescendentes
Falam poucos
E sentem acuados
Na sua presunção de inocentes
Responde aos chamados
Com todos os seus limites
Numa utopia imanente
Trazendo uma carta escrita
Em que há um grito de dor
Calado e fechado na alma
E um sorriso, feito um flor
Numa paz conflitiva
Diante de uma sociedade vazia,
Pois é toda ela exclusiva.
O olhar no vazio
Estamos no vazio republicano
Vendo novela e lendo a alma brasileira
Numa dinâmica de criticidade
Sabendo que uns insistem em gritar
Por um trajetória
Falando pontos de vista
Ou recitando sua história
Só que os exploradores
São também os saqueadores
E mantém a opressão de vidas
Num rigor metodológico
Em que matam em ponto de ônibus
Prendem qualquer sujeito
Por um grande projeto
Manter e seguir em frente
Nesta sociedade permanente
De competição usando o preconceito
O racismo e o discriminante.
Eis o tal vazio social em período republicano.
Roosevelt Coopling
Memórias da Toca da Criola
Na Capoeira, música e dança.
Eu não estava lá, mas sei que Zumbi dançava por ali. Se estivesse vivo hoje em dia, ele dançaria nesta versão moderna da capoeira: a Toca da Criola.
Zumbi vive!
Quem não se lembra dos dias de samba, desde os anos 80, Rua Treze de Maio, esquina com a Visconde de Inhaúma? Dias de boa comida, boa música, sorriso fácil nos rostos amigos…
O E.C. Criola virou sinônimo de acolhimento. Acolhiam-se ali seus zumbis, suas marieles , seus florestans fernandes e todos aqueles que faziam resistência à Redenção de Cam.
A Toca mudou nos anos 90. Seguiu para a Comendador Alfredo Maffei e lá encontrou seu auge. Samba pela madrugada, o cheiro de mocotó no ar, aquelas malhas de carne frita com fundo de noz moscada; um aroma memorável. Chuva ou sol, todos estavam ali: negros, brancos, mestiços, gringos e gringas. Não havia diferença e o que nos unia era o coração: um só - e todos.
Foi em uma noite faceira que o Hiato visitou o Bar da Criola. Cinco tiros de um pai defendendo sua filha colocaram uma pausa no Samba. Silêncio. São Carlos ficou órfã até que Santa Bárbara, na Zona Leste de São Paulo, enxugasse estas lágrimas de sangue.
Os anos foram longos até o retorno na Rua Visconde de Inhaúma. A Toca anuncia sua chegada para reunir novamente seus filhos e amigos. Dentre estes filhos, Alexandre Tenório (2019) atesta:
No domingo, meu dia preferido, perto do sol se esconder, havia um movimento musical, que fomentava a cultura brasileira sancarlense. O local era deveras simples - tão quanto aconchegante. Nos primeiros acordes, o “Samba Raiz”, provocava almas e corpos, jogando poesia e melodia na pista de dança improvisada, onde, por um curto período de tempo, eu reinava sozinho, acabando com várias solas dos meus sapatos, por tentar atender a os todos os convites das damas...
Suor, cerveja e muitos sorrisos negros. Na Toca da Criola era assim. Desde que o samba é samba “era” assim!
Era assim. Nosso coração reunia os anseios da Marcha Zumbi dos Palmares. Nosso diálogo era da Frente Negra Brasileira e do grito ensurdecedor samba-lelê dos crioulos anônimos e do Proibido Beijar.
A Toca lutou por mais de três décadas e conseguiu deixar na memória de muitos o seu amor, sua luta por igualdade, o lugar da memória daqueles que não se esquecem de sua origem negra e de como eram bons os dias de samba, do sorriso fácil e destemido do beijo roubado lá e cá.
Tatiane Souza
É fácil?!
Tá fácil ser mulher Preta não, é chicote estalando de todo lado!
Haja resistência, mas não se cale! Não silencie suas dores! Reaja!
Quando fere sua existência, seja resistência!
Mulher Preta não pode ser?! Não pode estar e fazer o que quer?
Se você estuda demais, você é arrogante!
Se não estuda, é preguiçosa!
Se trabalha demais é egoísta!
Se fala algo ou tem opinião, é metida!
Se nos posicionamos, somos raivosas!
Se criamos ações, somos censuradas!
Se propomos, somos ridicularizadas!
Se amamos, desprezadas!
Se temos qualidades, não consideram!
Se temos defeitos, somos julgadas!
Se somos persistentes, somos apenas suficientes!
Não podemos ser humanas!
Por que nosso esforço tem que ser melhor e maior do que o dos outros?
A todo tempo somos discriminadas e rejeitadas pelos racistas e ou machistas.
Raça, Racismo, Gênero, Patriarcado e Violência: Tudo direcionado a um corpo!
Tem sempre um racista falando que não somos dignas de respeito e consideração!
Tem sempre um racista querendo diminuir ou deslegitimar nosso trabalho ou nossa ação!
Seja onde estivermos, independente do cargo, escolaridade ou posição que ocupa, para o racista ou machista, nunca seremos suficientes, haverá sempre uma crítica destrutiva no sentido de te desqualificar enquanto pessoa, artista ou trabalhadora, por exemplo.
Na boca dos racistas nunca somos gente: somos tratadas feito vermes, humilhadas, xingadas,
Abandonadas e maltratadas pelo fato de sermos quem somos!
Quando não conseguem nos matar, matam nossa continuidade: matam nossos filhos!
Nesse mercado, patriarcal, e eurocêntrico, a carne mais barata é a negra.
Por isso, não se paute pelo que o racista acha de você, se paute por aquilo que somos!
Tiago Vinícius
O que nos resta no momento, além da resistência, é registrar todos os passos relacionados ao racismo institucional desse [des]governo e analisá-los com o rigor acadêmico necessário para que, cada vez mais, fique evidente a perversidade do racismo no Brasil. Inclusive nomeando figuras negras, irmãos e irmãs nossos e nossas, em cargos de destaque com discurso vinculadíssimo a ideologia da extrema-direita à brasileira. Sairemos dessa, vai demorar, mas sairemos.
O texto intitulado “Zumbi e a Consciência Negra – Existem de verdade?” do Professor Luiz Gustavo dos Santos Cipriano, homem branco, foi publicado na página da Fundação Palmares, cooptada por bolsonaristas, e remete ao período que denomino em minhas pesquisas de Período Metarracial Ditatorial e vejam a sordidez:
“verdadeiro pensamento e visão popular do brasileiro, que não é Esquerdista, nem de longe, pois nosso povo tem uma índole, uma visão amistosa, pacata, alegre, festeira dentro deste amálgama que é a nossa gente miscigenada – marca pontual de nosso povo, ser a mistura do Branco, Negro e Índio de forma natural”
Percebam que é a imposição de um Brasil que nunca existiu, porém, esse discurso está vinculado em nossas instituições sociais, sobretudo no sistema midiático, moldando comportamentos e mentalidades alienando muitos de sua própria existência que demanda resistência contínua contra o racismo. Mais uma vez, sairemos dessa, vai demorar, mas sairemos.